O prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil), endureceu o tom contra o presidente da Câmara de Vereadores, Geraldo Júnior (MDB), diante de manobras conduzidas por ele em desacordo com a lei e o Regimento Interno da Casa, desde que rompeu com a base aliada ao Palácio Thomé de Souza e assumiu a candidatura a vice-governador da chapa liderada pelo PT. É inconstitucional, de acordo com o regramento jurídico do Brasil, qualquer ação ou proposta do Legislativo que gere despesa para o Poder Executivo, seja na esfera municipal, estadual ou na União.
Em coletiva realizada ontem, na prefeitura, Bruno Reis acusou diretamente Geraldo Júnior de atropelar a legislação para, de forma irresponsável, derrubar o veto ao projeto que eleva o salário dos agentes de combate às endemias, e que pode gerar impacto de aproximadamente R$ 310 milhões no orçamento anual do município.
Na terça-feira (9), em uma sessão semipresencial conduzida por Geraldo Junior, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) votou favorável a derrubada do veto após a leitura feita pelo presidente do colegiado, Alexandre Aleluia (PL). Em seguida, a matéria foi submetida ao plenário, sendo considerada aprovada pelo presidente, apesar da manifestação dos vereadores governistas.
Membros da base governista alegam que a matéria foi apreciada sem a quantidade mínima de parlamentares em plenário, neste caso, 1/3 do total de 43 vereadores.
Os questionamentos em relação à matéria, no entanto, são anteriores. O presidente é acusado de inserir sem a devida apreciação em plenário a emenda que versa sobre o reajuste dos agentes de saúde em um projeto de autoria do Executivo, que disciplinava o reajuste de outras categorias.
Hospitais e outras despesas
De forma concreta, o prejuízo aos cofres municipais com o possível reajuste aos agentes equivaleria à construção anual de dois hospitais municipais, como o instalado pela prefeitura no bairro de Cajazeiras, ou de dois Centros de Convenções, como o instalado na Boca do Rio. Pode ser comparado também à média de investimento para a construção de 30 escolas dentro do modelo adotado pela gestão.
O prefeito garantiu que manterá aberta a possibilidade de diálogo com os servidores e futuras tratativas podem construir a solução para o impasse. Se aprovado um acordo entre as partes, este será submetido ao plenário da Câmara para contornar o resultado do veto atual. A medida evitaria que a situação se arrastasse por longo período na Justiça.
“Aqueles que querem atrapalhar a gestão e que torcem contra a cidade não vão conseguir. Do ponto de vista do mérito não há como prosperar. É um desrespeito o que aconteceu ontem. Atropelando em troca de apoio político”, enfatizou Bruno, que esteve acompanhado por mais de 20 vereadores da base governista.
Apesar do tom firme, o prefeito garantiu que o diálogo entre a prefeitura e os servidores irá continuar. Segundo ele, futuras tratativas podem construir a solução para o impasse. Finalizada uma nova proposta, esta seria encaminhada ao Legislativo para aprovação, pondo fim ao efeito do veto atual. A ação, inclusive, pode ser uma alternativa à possibilidade de levar a situação à Justiça.
“Para pagar esse dinheiro eu vou ter que fechar UPA [Unidade de Pronto Atendimento], vou ter que fechar posto de saúde”, alertou o prefeito.
Protesto
Enquanto Bruno Reis detalhava a situação na sala de reuniões de prefeitura, do lado de fora, um grupo de agentes protestava. Eles alegam que a proposta oferecida pela gestão municipal produzirá perdas nas gratificações. Os vencimentos desses servidores contam atualmente com a remuneração base de R$ 877, somado a 120% de acréscimo concedido em gratificações.
No primeiro semestre deste ano, a aprovação de uma Emenda Constitucional fixou o piso salarial da categoria em dois salários mínimos, ou seja R$ 2.424.
A última negociação entre a prefeitura e a categoria prevê um reajuste de 71% em relação ao pago atualmente, o que elevaria a remuneração mensal para R$ 3.358,90, valor 38,5% maior do que o piso nacional. Ao valor são acrescentados ainda os auxílios alimentação e transporte. Salvador tem 3.440 agentes de saúde.
O reajuste oferecido aos agentes é 60% superior ao destinado a outras categorias do serviço público municipal, a exemplo do magistério, guardas civis municipais, arquitetos e urbanistas. Nestas, o reajuste máximo chegou a 11%.
O outro lado
Não é somente a postura do vereador Geraldo Junior que tem chamado a atenção nos bastidores da Casa. No mesmo rol de assombros está a postura da bancada de oposição, que, segundo vereadores governistas, têm mantido o silêncio diante das sucessivas quebras regimentais.
Procurado pela reportagem, o vereador Augusto Vasconcelos (PCdoB), presidente da bancada de oposição, não comentou o contexto e as ações do aliado. Sobre o reajuste dos agentes de saúde, disse ter uma posição favorável há muitos anos.
“Como líder da oposição, encaminhamos a votação e toda bancada acompanhou favorável à derrubada do veto. Lamentavelmente, aconteceu essa confusão e a responsabilidade principal é do Executivo municipal que deixou o assunto chegar em meio a uma imensa confusão. O que os trabalhadores querem é o cumprimento de uma Emenda Constitucional. Resta ao prefeito cumprir e pagar o piso salarial”, afirmou Vasconcelos.
Geraldo Jr. também foi procurado, mas não se posicionou até o fechamento desta edição.
Série de atropelos da Câmara à lei teve início em março deste ano
A tensão da última segunda-feira é o apogeu de um enredo que começou a ser desenhado com a polêmica alteração na Lei Orgânica do Município, que garantiu a Geraldo Junior o terceiro mandato na Presidência da Câmara de Vereadores. A eleição dele foi questionada na Justiça por três ações, uma no STF.
Além de manobrar para garantir a própria recondução, Geraldo antecipou a data da eleição para a escolha da nova Mesa Diretora para o biênio 2023-2024, que só deveria ocorrer no início de 2023.
Em 29 de março, um dia antes de ser anunciado como vice de Jerônimo Rodrigues, Geraldo divulgou, sem diálogo prévio com as demais lideranças, o edital redefinindo o pleito e inscrição de chapa única – a sua.
O presidente também promoveu alterações na composição das comissões legislativas sem respeitar o devido regramento regimental, que se baseia na regra da proporcionalidade e representação das bancadas. Os mandatos nas comissões também foram reduzidos para um ano.
Na primeira quinzena de julho, mais ilegalidade de Geraldo agitou os ânimos na Casa. O presidente devolveu ao Legislativo o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias e antecipou o recesso parlamentar. O Regimento do Legislativo, no entanto, condiciona o recesso a apreciação da LDO.
A condução arbitrária dos processos é um elemento reiterado pelos vereadores governistas, que são taxativos em dizer que Geraldo tem atropelado os ritos em favor da ceara política.
“Desde que mudou de lado não dá para confiar em nada que Geraldo faz”, diz Paulo Magalhães (União Brasil). “O que Geraldo está fazendo é criminoso e muito grave, sem quaisquer precedentes na história da Câmara. Nunca houve um presidente que descumpriu tanto o Regimento e a Lei Orgânica do Município. Geraldo age como um tirano, um ditador que não respeita nenhuma lei apenas para atender aos seus próprios interesses”, avalia Paulo Magalhães, líder da bancada governista, que esteve presente na coletiva ao lado do prefeito.
O vice líder da bancada, Kiki Bispo (União Brasil), também ratificou o entendimento. “A Câmara está tensa. Uma Câmara que não tem mais reunião de líderes, reunião de Mesa Executiva, que as pautas deixaram de ser democráticas. Não podemos aceitar isso. Vamos exigir o cumprimento da lei”.
Tropa reúne aliados do PT e bolsonarista contra a prefeitura
Se fisicamente as sedes do Legislativo e do Executivo municipal estão a menos de 100 metros de distância, a relação entre ambos nunca esteve tão conturbada. O clima de tensão tem se intensificado desde 30 de março, quando o presidente da Casa deixou o arco de aliança de apoio ao grupo de ACM Neto (União Brasil) e foi anunciado, à época, como pré-candidato a vice-governador na chapa do petista Jerônimo Rodrigues, escolhido do governador Rui Costa (PT) na disputa pelo Palácio de Ondina.
Em meio à mudança de postura, Geraldo Junior uniu até mesmo forças antagônicas na política, como parte do plano de desgastar os antigos aliados e beneficiar o grupo para o quel migrou. Mesmo integrado ao bloco do PT, ele tem como um dos grandes parceiros o vereador bolsonarista Alexandre Aleluia (PL), mantido na presidência da CCJ, comissão com o poder de avaliar a constitucionalidade de todos os projetos apresentados à Casa Legislativa.
MP entra com ação contra manobra para beneficiar empresários
O Ministério Público do Estado da Bahia entrou com ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra ‘jabuti’ aprovado na surdina pela Câmara Municipal de Salvador, que permite usar Transcons para pagamento dos tributos municipais como IPTU, ITIV e ISS; além de taxas como TFF. A medida, cuja aprovação, feita no apagar das luzes, foi arquitetada pelo presidente da Casa, Geraldo Júnior (MDB), beneficia empresários que têm grandes débitos com a prefeitura.
A Emenda 37, aprovada em dezembro de 2020, na última sessão do ano, promove alterações na Lei Orgânica do Município. Na Adin, a Procuradora-Geral de Justiça Adjunta para Assuntos Jurídicos, Wanda Valbiraci Caldas Figueiredo, e a promotora Patrícia Peixoto de Mattos, pedem a concessão de medida cautelar para suspender a eficácia da emenda até o julgamento do mérito.
A manobra de Geraldo autoriza ainda a utilização de Transcons para pagamento de alienação de terrenos que a prefeitura desafeta e que vão a leilão. Na prática, a medida, considerada inconstitucional pelo MP-BA e articulada pelo presidente da Câmara, permite que débitos com o Município sejam pagos com Transcons. Com isso, a Prefeitura deixaria de arrecadar recursos de tributos, o que impactaria de maneira grave o funcionamento dos serviços públicos.
O benefício seria para grandes devedores de impostos, que passariam a pagar tributos com Transcons.
Na Adin, o MP-BA aponta que estas mudanças podem trazer graves consequências financeiras para o Município, “de grande impacto no erário do ente federativo local, implicando em renúncia de receita e, indiretamente, em aumento de despesa que interferem na gestão do orçamento, sem o crivo do Chefe da Administração Municipal”. O MP-BA aponta ao menos 9 pontos que atestam a inconstitucionalidade das mudanças aprovadas na Câmara Municipal.