O imbróglio que opõe o Governo da Bahia ao Ministério Público Estadual (MP-BA) teve um novo capítulo nesta sexta-feira (21). A justiça deu parecer negativo ao pedido de suspensão do processo licitatório do Palácio Rio Branco, sede do primeiro governo do Brasil. As promotoras Cristina Seixas e Rita Tourinho afirmaram, em entrevista coletiva realizada pela manhã, que já recorreram da decisão.
As integrantes do MP-BA avaliam que a decisão contrária ao pedido delas foi tomada de maneira equivocada. Na avaliação das promotoras, a juíza responsável por julgar o pedido pode ter entendido que elas reivindicavam apenas a suspensão da sessão realizada na quinta-feira (20) e não do processo licitatório como um todo. Na ocasião, apenas uma empresa, a BM Varejo Empreendimentos Spe S.A, dona da rede de hotéis BMF, participou.
O pedido de paralisação e encerramento do processo de concessão foi feito após o governo estadual não atender a recomendação do Ministério Público de adiamento prorrogável de 30 dias. O MP-BA defende que existem possíveis irregularidades no projeto de construção de um hotel no local, que faz parte de um conjunto arquitetônico tombado como patrimônio histórico. No Ministério Público Federal também corre uma ação no mesmo sentido. Entre as irregularidades, está a falta de explicação das vantagens econômicas e sociais para a sociedade e o cálculo do valor atribuído à concessão (R$ 26,5 milhões).
Além disso, as promotoras questionam o que será feito com uma área, localizada atrás do Palácio Rio Branco, que foi desapropriada pelo governo, para manter a viabilidade do negócio. No local, devem ser construídos mais quartos de hotéis e, segundo o MP-BA, não fica claro se o governo do estado deverá, após os 35 anos, comprar o prédio anexo que ali será construído. Outro ponto nebuloso é o aluguel, que só deve começar a ser pago pela empresa a partir do 16° ano, ou seja, em 2038.
Cristina Seixas também ressalta que mesmo com a sessão envolvendo a BM Varejo na quinta-feira (20), a empresa ainda não venceu o processo de concessão, que requer análise de documentos. “Mesmo se o contrato for assinado, isso não significa que a nossa ação está morta. Pedimos a invalidação do processo e se o judiciário reconhecer em qualquer instância, o contrato pode ser desfeito”, diz.
A promotora ainda destaca que não existe uma prazo para que todas as decisões sejam tomadas e receia que a justiça demore ao ponto do hotel ser construído antes da finalização processual: “Infelizmente, não só na Bahia, mas no Brasil, de um modo geral, temos inúmeras situações de fato consumado. Buscamos solução judicial e muitas vezes, quando sai a decisão, já construiu. Mas nos cabe fazer o nosso papel”.
Tombamento
Durante a coletiva, as integrantes do MP-BA questionaram a postura do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural (Iphan), que deu parecer favorável a construção do hotel. Existe uma ação de tombamento em curso no órgão, para que o Palácio Rio Branco seja considerado um patrimônio individualmente e não somente por pertencer ao conjunto do Centro Histórico. Segundo as promotoras, o Iphan foi célere ao dar o aval para o projeto do hotel, enquanto que ainda não finalizou o processo de tombamento.
Entretanto, o superintendente do Iphan na Bahia, Bruno Tavares, esclarece que o tombamento individual do patrimônio não deve alterar na prática o processo de concessão. “O edifício já é tombado em conjunto e qualquer projeto que seja desenvolvido para o palácio precisa ser analisado pelo Iphan”, reforça.
Bruno Tavares ainda relembra que, inicialmente, a proposta de transformar o edifício em um hotel de luxo foi feita pela rede hoteleira Vila Galé, em 2019. O projeto passou pela sanção do órgão e foi aprovado, por não apresentar risco ao patrimônio, segundo o superintendente.
Somente em novembro de 2021, a empresa decidiu doar os projetos autorais ao governo do estado, que prosseguiu com a licitação. Foi então que membros da sociedade civil, como o Instituto de Arquitetos do Brasil Seção Bahia e a Universidade Federal da Bahia, começaram a se mobilizar contra a concessão.
Um dos pontos levantado pelo Ministério Público e apoiado pelo Iphan é o acesso do público ao patrimônio tombado, uma vez que o edifício passará ao controle privado. “Apesar do Iphan não poder estabelecer essa regra, em todos os pareceres que foram emitidos no processo, nós destacamos a importância de se garantir, ao menos durante o horário de funcionamento, o acesso ao público”.
ideia é que partes do conjunto arquitetônico sejam abertas à visitação: “Acesso às áreas que possuem um valor histórico mais destacado, como o Memorial dos Governadores, a sala dos espelhos e tantas outras”. Segundo as promotoras Cristina Seixas e Rita Tourinho, não está esclarecido o modo como se dará a visita do público ao espaço.
O secretário de Turismo do estado, Maurício Bacellar, não aponta irregularidades no processo e defende que o hotel renderá bons frutos à capital: “É um processo que corre na secretaria desde 2019 e passou por todos os trâmites legais. Esse modelo de entregar imóveis históricos para se transformarem em equipamentos turísticos é um sucesso no mundo inteiro”.
Apesar do secretário de Turismo defender que a construção do hotel vai fomentar o turismo na região histórica da capital, a promotora Cristina Seixas afirma que só um prédio requalificado não tem o poder de modificar uma zona urbana. A integrante do MP-BA ainda questiona se os outros hotéis presentes no local, como o Fera Palace e o Fasano, tornaram o Centro Histórico mais seguro para a população de Salvador.
A Procuradoria Geral do Estado (PGE), já havia se posicionado a favor do processo licitatório. O órgão foi procurado para comentar os novos acontecimentos, mas ainda não se posicionou. O Ministério Público Federal também foi procurado e não deu retorno.