Ossadas de 30 mil anos do feto e da mãe foram localizadas na década de 80, na cidade de Campo Formoso, norte baiano
Quando o professor Cástor Cartelle Guerra descobriu o fóssil de um feto de preguiça extinta na cidade de Campo Formoso, no norte da Bahia, a internet ainda não era utilizada comercialmente, a Seleção Brasileira ostentava apenas três mundiais e o Muro de Berlim ainda fazia a divisão entre Alemanha Ocidental e Oriental. Encontrado há 40 anos, o material raro é o primeiro registro do tipo localizado no Brasil, de acordo com o pesquisador.
O feto foi localizado na Toca da Boa Vista, maior gruta do hemisfério sul, dentro da mãe, com aproximadamente 30 cm. “É muito interessante porque fetos de preguiças não eram conhecidos. Em toda a América Latina, encontramos apenas cinco ossos atribuídos a fetos de preguiças extintas, mas não há certeza. Encontrar o bichinho inteiro foi um milagre”, disse Guerra ao CORREIO. A descoberta do paleontólogo do Museu de Ciências Naturais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e doutor em Morfologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) foi feita na década de 80, mas a liberação do artigo científico só foi aprovado em maio deste ano e ainda será publicado oficialmente.
Os fósseis encontrados pelo pesquisador em Campo Formoso são da espécie Nothrotherium maquinense, a mesma encontrada pelo paleontólogo dinamarquês Peter Lund, em Cordisburgo, Minas Gerais, em 1836, e era terrícola – não subia em árvores, como fazem as atuais. Conforme o professor Cástor, o animal viveu há 30 mil anos naquela região. A mãe, grávida, provavelmente morreu perto de um rio e foi levada até a Toca da Boa Vista ou uma enchente terminou por conduzi-la para a gruta.
Para localizar as ossadas do animal, foi necessário muita preparação física, alto nível de concentração e, não menos importante, muita paciência. “É uma experiência única, cada um possui a sua metodologia. Cada pesquisador tem sua capacidade de dedução e observação. Não há regras para isso”, afirma o professor.
Apesar de ser apontado como primeiro caso envolvendo o esqueleto completo de um feto no país, não é o único achado de preguiças extintas na Bahia. É o que indica o biólogo Mário Dantas, pesquisador na área de Paleontologia de mamíferos do Quaternário e professor da Universidade Federal da Bahia. Ossadas que permitiram a identificação de seis espécies já foram encontradas em território baiano, mais precisamente nos municípios de Nova Redenção e Ourolândia. Duas delas são das espécies Ahytherium aureum e Australonyx aquae, que chegavam a 250 kg. As demais ( Mylodonopsis ibseni, Ocnotherium giganteum e Valgipes bucklandi) variavam de 400 a 900 kg.
“Temos fósseis que mostram a interação ecológica entre as espécies no passado. Acabamos de receber o aceite de publicação de um artigo que mostra que uma destas preguiças extintas foi predada por uma onça, deixando as marcas das mordidas cravadas nos seus ossos”, relata o professor.
Os estudos feitos nos municípios de Campo Formoso e Ourolândia, por exemplo, são realizados pelo pesquisador Cástor Castelle há décadas. Toda a área conta com um número significativo de cavernas, como explica a professora e pesquisadora Cristina Cerqueira, coordenadora do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da Universidade Estadual da Bahia. “Muitas dessas ossadas são encontradas em estado de conservação e intactos dentro das cavernas.”
Ainda conforme a pesquisadora Cristina, o que torna a descoberta de Cástor Cartelle raríssima é justamente estado de preservação do fóssil. Normalmente, as ossadas de indivíduos novos passam por um processo de decomposição com mais facilidade. “O fato dele ter sido conservado tem relação com o ambiente de caverna, que oferece condições propícias para a tal manutenção e integridade.”
O fator de conservação do fóssil do feto também é pontuado pelo coordenador da Divisão de Mamíferos do Museu de Zoologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs), Téo Veiga de Oliveira. “Temos uma série de respostas quando encontramos um indivíduo adulto junto com um jovem, da mesma espécie, como observação do crescimento destes animais e as mudanças no desenvolvimento da espécie”, finaliza.