Gostaria de iniciar este pronunciamento agradecendo ao Ministério Público do estado da Bahia pela cessão do espaço para realização deste ato e pela gentileza com que nos recepcionou a todos e todas. A escolha deste auditório não é apenas uma opção pela proximidade física em relação ao prédio da secretaria, mas é também um sinal de diálogo, respeito e deferência ao Ministério Público e a todas as instituições do sistema de justiça que, nestes tempos tão nebulosos e tristes da vida nacional, têm sido tão essenciais ao jogo democrático.
Quero também aqui agradecer à presença de representantes do Poder Judiciário, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil e das Universidades públicas e privadas no nosso estado sublinhando, desde já, o meu compromisso com o diálogo com esses importantes atores institucionais e a minha crença de que democracia forte se faz com instituições altivas e representativas. A orientação do governador Jerônimo Rodrigues a este respeito é a de promovermos permanentemente concertação entre todos os atores sociais e políticos.
No mesmo sentido, saúdo também as minhas colegas e os meus colegas secretárias e secretários do governo do estado; parlamentares federais, estaduais e municipais; servidores públicos da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos e, sobretudo, aos ativistas políticos e militantes dos mais variados movimentos e organizações da sociedade civil, conselheiros e conselheiras de direitos do estado da Bahia.
Obrigado pela presença de todas, todos e todes.
A pluralidade de sujeitos políticos presentes neste ato é o combustível para os projetos que vamos desenvolver e é a matéria prima do nosso trabalho. Participação popular, diálogo interinstitucional e articulação política e social são as bases de toda nossa estratégia de governo e delas não podemos jamais nos afastar.
Quero aproveitar, ainda, para dirigir uma saudação especial ao meu amigo, o ex secretário Carlos Martins, que me antecedeu na condução desta Secretaria.
Martins é um companheiro leal e radicalmente comprometido com o projeto político de emancipação de trabalhadores e trabalhadoras. Alguém que tem dedicado a própria vida a lutar em defesa da justiça e da democracia. Expresso aqui meu carinho pessoal, meu respeito profissional e minha profunda admiração política a este companheiro a quem tenho a honra de suceder e com quem desejo contar hoje, e sempre. Muito Obrigado, Martins!
I
É com muita alegria que assumo o cargo de Secretário de Justiça e Direitos Humanos do estado da Bahia. Estou consciente dos muitos significados contidos neste momento e sei que o entusiasmo e a alegria com que tenho sido recebido desde a indicação pelo governador do estado é proporcional às expectativas e cobranças que a área enseja. Tenho convicção de que a tarefa que me é apresentada é árdua e que a reconstrução das políticas públicas no país, após o trágico legado da volta da fome, da inflação, do obscurantismo, do desinvestimento nas áreas sociais e de desrespeito à Constituição e à República deixados pelo governo Bolsonaro exigirá de nós força, determinação, entusiasmo e muita cooperação.
Neste momento, apresento-me para o trabalho trazendo comigo aquilo que sempre recebi dos movimentos sociais, das universidades e dos grupos políticos nos quais já participei.
Trago a disposição para a escuta atenta, trago a vontade de construir políticas públicas que sejam referência no debate sobre acesso à justiça e promoção de direitos, trago o entusiasmo de um militante dos direitos humanos e contra o racismo e, ao mesmo tempo, trago também um convite a minha equipe para que, juntas e juntos, aventuremo-nos neste importante trabalho em prol do nosso próprio futuro.
II
São muitos os desafios que envolvem uma política de justiça e direitos humanos no estado da Bahia. A construção de uma ação ampla de proteção aos direitos do consumidor, com ênfase nos setores sociais mais excluídos e marginalizados nas relações de consumo; a construção de políticas intersetoriais e sistêmicas em favor das pessoas com deficiência e do seu efetivo acesso a direitos; a garantia dos direitos da pessoa idosa, visto que uma sociedade que não cuida e não respeita as mais velhas não está preparada para construir o futuro para as mais novas; a política de proteção e promoção de direitos de crianças, adolescentes; a construção de um atendimento socioeducativo emancipatório para adolescentes em conflito com a lei; o enfrentamento a toda forma de violência e discriminação contra a população LGBTQIA+ e a efetiva promoção e garantia dos seus direitos são apenas as dimensões mais visíveis de uma atribuição institucional muito mais ampla.
Toda essa agenda está diretamente relacionada com o combate à fome e a pobreza extrema, prioridade deste governo, e às possibilidades reais de desenvolvimento e inclusão no estado da Bahia. Tomando emprestado a expressão primorosa do movimento negro podemos dizer que: sem direitos humanos e acesso a justiça não há democracia.
Neste sentido, sublinho três aspectos que considero centrais ao momento político que vivemos e com os quais gostaria de trabalhar nesta gestão à frente da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do estado da Bahia.
Inicialmente, considero central que tenhamos muita atenção sobre o tema da relação entre os poderes e da pactuação intersetorial. É preciso dar materialidade à noção de uma ação pública articulada entre legislativo, executivo e judiciário atendendo aos interesses dos movimentos, organizações sociais e da sociedade como um todo, dando concretude à previsão constitucional de “independência e harmonia” entre os Poderes da República.
É decisivo que essa secretaria seja a porta de entrada para o diálogo entre o governo e o sistema de justiça, de modo que possamos manter metas e compromissos comuns tanto no plano temático, na defesa dos direitos fundamentais, quanto do ponto de vista estratégico, por meio de acordos e parcerias de médio e longo prazo.
A população clama por uma prestação jurisdicional célere e efetiva e também por serviços públicos resolutivos e de alta qualidade. Assim, é preciso, urgente e necessário que governo, sistema de justiça e sociedade civil organizada encontrem pontos de atuação conjunta e acelerem os processos de tomada de decisão em favor de uma presença estatal mais qualificada junto aos cidadãos e cidadãs.
Neste sentido, pretendo executar uma agenda de diálogos permanentes com os meus colegas secretários e secretárias e também com as instituições do sistema de justiça a fim de que possamos pôr em prática um plano estadual de ações no campo do acesso à justiça por meio do qual consigamos, respeitando a independência dos Poderes, mensurar e qualificar o resultado do nosso trabalho.
Justiça e Direitos Humanos são, ao mesmo tempo, duas dimensões essenciais da vida democrática e é nosso papel, enquanto Secretaria de Estado, participar da tradução prática dessa previsão legal. Devemos produzir conhecimento sobre os limites e barreiras para o acesso à justiça e devemos cooperar com os demais poderes para que tais obstáculos sejam superados em prol de uma ação pública efetiva e qualificada.
Um segundo aspecto central desta agenda é a questão da memória, verdade e justiça para as vítimas de violência e discriminação. Nada é mais aterrador para a experiência democrática do que o silêncio do Estado diante da mãe que perde o seu filho de maneira violenta, do ativista político que é impedido de se manifestar por ameaça ou perseguição política; do jovem que é obrigado a sacrificar sua própria identidade por conta do preconceito, da violência e da discriminação. É preciso que sejamos presentes e resolutivos na vida destas pessoas.
Como agentes públicos, precisamos encontrar meios de resposta às vítimas de violência e produzir politicamente mecanismos que evitem a reincidência de violações e a prevenção a novas tragédias. Refiro-me aqui não apenas ao importante debate sobre o direito à memória para as vítimas de violência do Estado na ditadura militar ou nos outros regimes autoritários da nossa história, falo também sobre as centenas de vítimas cotidianas da violência urbana, das vítimas do racismo, do trabalho escravo, da exploração sexual, da LGBTQIA+fobia, do capacitismo, do preconceito geracional ou de tantas outras formas contemporâneas de violência que desafiam as autoridades e que ameaçam a nossa democracia.
Uma política estadual de direitos humanos deve, neste sentido, combinar a promoção e a proteção dos direitos aliando medidas, protocolos e procedimentos para quem se encontre ameaçado com mecanismos amplos de política social que incidam sobre a base dos problemas e que interrompam o ciclo da ameaça.
Neste sentido, chamo a atenção para o tema dos conflitos fundiários, rurais e urbanos, para o fortalecimento dos programa de proteção, para redes de apoio aos familiares de vítimas de violência e para uma ação permanente de mediação de conflitos e gerenciamento de crises, como anunciado no Programa de Governo Participativo apresentado pelo governador Jerônimo Rodrigues.
Um terceiro e último aspecto, que também me parece muito estratégico para o nosso trabalho, é a questão do enfrentamento à violência institucional e da educação em direitos humanos. A construção de uma agenda de valorização da democracia e de respeito aos direitos fundamentais passa decisivamente por disputas de imaginário social que só podem ser empreendidas se contarmos com ampla cooperação entre governo e sociedade civil e se alterarmos representações e imagens sociais muito fortemente consolidadas.
Refiro-me aqui ao desafio de enfrentar as teses criminosas como as que pugnam pela ideia de que é possível fechar o STF ou abolir o Congresso Nacional ou de que devemos impedir a existência de modos de vida tradicionais ou aniquilar a existência de comunidades periféricas, ou que nessas comunidades só há bandidos e que, portanto, não se deve a elas o mesmo tratamento da cidadania. Essas são ideias perigosas que seguem circulando nos mais variados meios sociais e que nos últimos quatro anos alcançaram níveis assombrosos de reprodução por parte de agentes públicos e altas autoridades da República.
Como democratas que somos, temos de afirmar peremptoriamente que não é possível em um Estado de Direito alimentar discursos de ódio ou construir práticas de discriminação e de segregação social.
A convivência democrática exige de nós diálogo e tolerância, assim como exige também a compreensão de que os direitos e os espaços não são só de alguns. São de todos, todas e todes. Nas suas diferenças e convergências. E é na compreensão e aproveitamento dessa diversidade, que mora a riqueza da democracia e as oportunidades do efetivo desenvolvimento.
Por fim, gostaria de encerrar esta saudação prestando uma comovida homenagem à eterna Luiza Bairros, ex ministra da Igualdade Racial, que nos deixou precocemente, em 2016, e cuja ausência segue sendo sentida por mim e por muitos e muitas dos que hoje estão aqui neste auditório.
Luiza acolheu a mim e a dezenas de outros jovens que, na militância do movimento negro, buscavam referências positivas de atuação política no espaço público e que aprenderam com ela o significado da presença de mulheres e homens negros em espaços de poder. Que sua memória rigorosa, radical, ética e inspiradora siga a guiar a todas e todos nós nesta ambiciosa tarefa de construir um Brasil justo e equitativo.